Diante de tanta intensidade do que vem acontecendo ao nosso redor, sempre me ocorre uma pergunta à qual eu me agarro:
O que não muda?
Entender o que não muda é tão importante como entender o que muda. É o que nos dá sustentação e recursos para confiar que somos capazes de lidar com todo esse caos.
No meio de algoritmos, matemática avançada, física quântica, estatísticas, predições, velocidade, tecnologia, tecnologia e mais tecnologia, nós somos seres biológicos. A biologia é a ciência das relações, da troca, dos processos, da mutação, do singular, do erro e, portanto, da evolução. O que significa que algumas coisas se conservam, enquanto outras mudam. E o que se conserva, certamente, é a essência que nos define.
Nosso corpo tem obsessão por se manter vivo. Ao mesmo tempo que esse corpo interage com o meio, ele opera em um sistema fechado, chamado clausura operacional. Tudo o que entra nesse corpo e o tira de um estado de regularidade faz com que ele busque, dentro de si mesmo, os recursos para voltar ao equilíbrio. Se comemos muito açúcar, vamos produzir insulina – o corpo fará isso sem nos pedir permissão, simplesmente porque ele não abre mão da busca por regularidade. Vamos chamar esse açúcar de agente perturbador. Ou seja, um elemento externo que, ao entrar em nosso corpo, é capaz de perturbá-lo. Assim como o açúcar, a palavra, as imagens, os acontecimentos são agentes perturbadores, e a atividade neural que se altera com essas perturbações se chama emoção. Do ponto de vista biológico, a emoção nada mais é do que uma regularidade que foi afetada, uma alteração na paisagem interna. Segundo Oliver Sacks, nosso corpo não distingue a emoção provocada por uma experiência primária da emoção provocada pela ficção. A perturbação se faz da mesma forma e, querendo ou não, nosso corpo vai lidar com ela em busca do equilíbrio.
E como nós fazemos isso? Através da linguagem. Pensar, elaborar, sistematizar, conceituar são uma espécie de insulina para devolver o equilíbrio ao corpo afetado.
Minha filha tinha um ano e meio quando a deixei na sala com meu pai para buscar um copo d’água na cozinha. Quando voltei, ela estava com o chinelo dele na boca. Diante da minha reclamação, meu pai argumentou: nada está na mente que não tenha estado antes nos sentidos.
Sim, não há nada que esteja em nossa mente que não tenha entrado pelos nossos olhos ou nossos ouvidos, nosso olfato, tato ou paladar. Nossos sentidos são portas de entrada. Toda a nossa capacidade de pensar, imaginar e criar foi desenvolvida a partir deles.
Neste momento, nossos sentidos estão sendo bombardeados por excesso de informação e, nesse caos, nossa mente adoece.
Qual é a saída, quando compreendemos esse mecanismo?
Produzir sentido – confiar que podemos produzir compreensão, direção, adesão para esse corpo bombardeado. E a confiança tem, como premissa, a previsibilidade. Sem previsibilidade, não há confiança, e só algum nível de confiança pode nos acalmar.
Quando colocamos toda essa conversa na perspectiva das marcas, estamos dizendo: construa confiança. Escolha um território, seja previsível em seus movimentos, deixe que as pessoas saibam o que esperar de você. E surpreenda. Parece contraditório, mas não é. Todas as vezes que surpreendemos para confirmar uma expectativa, e não negá-la, conquistamos uma imensa quantidade de confiança. E isso é a coisa mais preciosa que a criatividade faz: surpreender para confirmar uma previsibilidade. Mantenha uma conversa que importa, não um monólogo falando de si, mas uma conversa que te aproxime do seu público por ser relevante para ele – o som familiar da sua voz, as imagens que você propõe, seus gestos, seu cheiro, seu jeito de estar presente e fazer parte da vida das pessoas se tornam um oásis no caos.
Porque o que nos mantém capazes de transitar no caos é saber que podemos confiar em alguma coisa.